Passados 20 anos, a polêmica médica em torno da doença de Tancredo Neves continua. No último domingo foi reacesa com uma reportagem do Fantástico, da Rede Globo. A discórdia centra-se na doença que obrigou o presidente eleito a internar-se às pressas e submeter-se a uma cirurgia. Na versão médica oficial da época, o problema que acometeu Tancredo foi divertículo, ou diverticulite aguda, uma doença caracterizada por falhas nas paredes do intestino grosso. Médicos entrevistados no programa de domingo levantaram, contudo, uma versão diferente para o mal de Tancredo. Segundo eles, o presidente tinha um leiomioma. Trata-se de um tumor benigno (não-canceroso), formado em sua maior parte por células de músculo liso e que aparece em geral na parede do intestino. Segundo o médico Rennel Pires de Paiva, cirurgião do aparelho digestivo, os diagnósticos são inteiramente distintos. O leiomioma, explica o médico, “é um tumor sólido, arredondado e de consistência borrachosa”. O que impressiona são as dimensões que pode atingir. “A partir do tamanho de um grão de arroz, ele pode chegar ao volume de uma bola de basquete”, relata Rennel Pires, que revela já ter operado uma mulher que tinha um tumor com essa dimensão na cavidade abdominal. O médico observa que o leiomioma apresenta um crescimento bastante lento, de muitos anos. Com o passar do tempo, pode causar problemas, quando só então se torna perceptível – é, portanto, assintomático. “As complicações são hemorragia, obstrução e perfuração”, explica o médico. Ele nota que, na entrevista do Fantástico, não se esclareceu qual era exatamente o quadro de Tancredo Neves a partir do diagnóstico do leiomioma. A diverticulite aguda perfurada – o problema que levou Tancredo à primeira cirurgia, na versão oficial da época, nada tem a ver com o leiomioma. “Os divertículos são falhas que ocorrem nas paredes do intestino grosso, com herniações da mucosa e da submucosa intestinal, através da camada muscular”, explica o médico Rennel Pires. A hérnia – uma formação patológica que se desenvolve em um órgão por meio de um orifício e por uma extensão em espécie de bolsa – aparece, neste caso, pelo “enfraquecimento de pontos da parede da víscera, geralmente nos locais de penetração dos vasos sanguíneos”, afirma o cirurgião. Numa fase mais avançada – seria o caso de Tancredo Neves – pode ocorrer uma complicação: a diverticulite aguda perfurada. O agravamento da doença no intestino grosso, acrescenta o médico, se dá “quando há perfuração do divertículo, com extravasamento de fezes para a cavidade abdominal, causando infecção na região.” Ética Na entrevista do Fantástico, um dos médicos disse que o diagnóstico do leiomioma foi evitado para não se mencionar a palavra “tumor”, o que poderia causar uma repercussão muito negativa na opinião pública. De acordo com o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (CRM-GO), Iliam Cardoso dos Santos, o comportamento do colega foi, no mínimo, estranho. Ressalvando que não pretende fazer um pré-julgamento, até porque o caso já foi avaliado e julgado, na época, pelo CRM do Distrito Federal, Iliam observa ter estranhado a forma como o médico se manifestou no programa. “Por se tratar de um assunto técnico, estranhei o modo como a questão foi relatada na entrevista”, afirma. Na sua “avaliação preliminar”, considera que caberia uma sindicância do caso pelo conselho da jurisdição. (O Popular, 21/04/05 – matéria especial sobre os 20 anos da morte de Tancredo Neves)

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