Pessoas semi-enterradas, armas apontadas para a cabeça, mulheres seminuas obrigadas a dormir em uma piscina, crianças, adolescentes misturadas a adultos e idosos dormindo no chão, comendo restos de alimentos, forçadas a trabalhar, humilhadas, mantidas incomunicáveis em quartos escuros, forçadas a ingerir medicamentos ansiolíticos, em suma uma verdadeira casa de horrores. Onde? Na Auschwitz dos anos de guerra na década de 40? Não, em Anápolis, a mais desenvolvida cidade do interior goiano, em uma “clinica” clandestina destinada a tratar dependentes químicos, principalmente viciados em crack, nos dias atuais. E o pior é que também pode estar ocorrendo, agora, aqui ou alhures, nas pequenas ou grandes cidades, na capital ou no interior.

Menos mal que esta “clinica” tenha sido desbaratada e, levados presos seus carrascos travestidos de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas.Tortura é degradante, humilhante, inadmissível. Como ensinou Ernesto Sábato, o imperativo de não torturar deve ser categórico, tortura não pode ser relativa, é sempre absoluta, não se justifica, não aceita adjetivos. Mas não seria de se perguntar se outros atores deste teatro de absurdos também não deveriam estar enjaulados?

Até quando transferir para as famílias a responsabilidade única de combater o crack? O drama dos viciados em crack está alem das ruas, no interior de milhares, centenas de milhares, de lares espalhados por este Brasil. Pais, avós, irmãos, filhos, esposos e esposas de dependentes de crack também se encontram doentes, fragilizados, endividados. Agem, na ausência de uma política de Estado efetiva no combate as drogas, por impulso, internando, entregando seus dependentes para charlatães. Estas clínicas espalhadas por todas as cidades somente existem por que políticos incompetentes, demagogos deixam de cumprir com suas promessas, transferindo para igrejas, associações, clube de serviços e pessoas inescrupulosas o dever de atender o dependente químico.

E não pensem que este falso assistencialismo fica barato. Se, antes, viciados roubavam seus familiares, agora são os próprios familiares que vendem a TV, o fogão, a geladeira e a dignidade para tentarem fazer com que os zumbis do crack se vejam livres das drogas.

Luta inglória basta ver os índices de violência de nossas cidades. Jovens drogados roubam, matam e são mortos por outros dependentes, por traficantes, por policiais, amanhã, talvez, sejam assassinados pelos próprios pais cansados da guerra, em busca de um momento qualquer de paz.

Elias Hanna é médico e conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego)alt

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