Confira o artigo do conselheiro do Cremego e do CFM, Leonardo Emílio da Silva, publicado hoje, 3 de maio de 2021, no jornal O Popular

O POPULAR

Artigo – A lei é dura, porém é a lei

Leonardo Emílio da Silva

Antes de tudo, meus conflitos de interesse: não sou terraplanista (ou ago que o valha), possuo diploma de médico registrado. Aliás, ingressei na faculdade por concurso público, e foi na segunda tentativa. Esse é o único caminho legal para cursar Medicina no Brasil, mediante vestibular ou pela nota no ENEM! Simples, não é? Não, não é. Esse esforço requer dedicação e disciplina espartanas, o que obviamente nem todos conseguem. E assim é a vida, e assim caminha a humanidade, ante ‘seleções naturais’ onde as possibilidades não estão postas de maneira tão equânime como gostaríamos que estivessem… Ao final de árduos seis anos, enfim entendemos que quem nos escolhe é a Medicina, não o contrário, e partimos para os anos de especialização.

O médico tem como meta tentar curar as pessoas, se não melhorar sua condição, o que exige enorme obstinação durante a longa fase de formação profissional. Sob a premissa de que cada caso é um caso, o médico é obrigado a tomar decisões por meio de um saber especializado, dentro da autonomia (tão em evidência) que o ‘ser médico’ lhe confere. Assim, com o devido respeito aos não médicos, exercer a Medicina é uma prerrogativa de médicos.

Os Conselhos Regionais de Medicina (CRM) foram criados, por lei em 1957, para descentralizar do governo federal o dever de fiscalizar e julgar a prática da Medicina no país. Uma lei estabelecida em razão da singularidade que esse ‘ser médico’ claramente porta, muito além de uma profissão ou mesmo de uma simples prestação de serviços. Aqui é notória a profunda relação entre dois seres, biologicamente regidos, interagindo humanisticamente, tanto no melhor quanto no pior do ser. Assim, regras foram criadas com fulcro na relação bioética entre o médico e seu paciente, delineando as boas práticas que devemos cumprir. Não obstante, a Constituição vigente condicionou o exercício de qualquer atividade às prescrições legais, tal qual descrevemos.

Vencidas as múltiplas triagens impostas durante a graduação, agora de posse do seu diploma, o médico solicita seu registro no CRM, exigência legal para exercer a Medicina, naquela jurisdição. Sob a égide do estoico Código de Ética Médica, garante-se a proteção da comunidade e, por extensão, também a do médico. Nessa conjuntura, já somos mais de 560 mil, com média de 2,4 profissionais por mil habitantes. A propósito, diga-se, dentro da média mundial preconizada, mas com desproporcional concentração nas capitais. Sordidamente, alguns parlamentares tentam, por decreto, criar a figura de um profissional, cujos critérios para o ingresso e formação na carreira médica estão fora do nosso alcance institucional. Tal fato vem sendo catalisado pelas mazelas de nossa saúde pública, escancaradas pela pandemia do coronavirus. Isso tudo dissimulado por uma falaciosa falta de médicos. A quem interessa um profissional dessa importância, criado mediante a imposição de uma lei ordinária?

Se fizermos um estêncil dos locais no Brasil onde se reivindicam ‘mais médicos’, há uma coincidência com as piores políticas públicas de saúde, e torna-se clara a tentativa de desfocar esse cancro social, de mau gerenciamento de dinheiro público voltado à saúde, com a estapafúrdia declaração de que ‘precisamos de mais médicos’. Pensar que isso possa ser resolvido, criando-se médicos por decreto, é um simplismo, uma ignorância travestida de interesses escusos que nunca visaram à boa prática da Medicina, tampouco ao bem comum. Tentam ser criadores de profissionais, cujo encanto (por decreto) se esvai ao enfrentarem a Medicina, que não os escolheu.

Não é ser contra quem cursa Medicina fora do país. É ser inteiramente contra o fato de que pessoas formadas no exterior prescindam da validação do seu diploma, ao reivindicarem o direito de exercer a Medicina em território brasileiro. Não por decreto, em um ato óbvio de inconstitucionalidade. Assim, para o bem da Medicina e o da sociedade, Revalida, sim! É o mais racional e justo. ‘Dura lex, sed lex.’

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